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Do koji ao bean-to-bar: como padarias artesanais reinventam pães com moagem local e fermentações alternativas

21 de ago. de 2025google
Inovação na panificação artesanal: koji, moagem local e bean-to-bar

Do koji ao bean-to-bar: inovação na panificação artesanal

Na cena paulistana de padarias e confeitaria, surgem sinais claros de uma nova camada de experimentação: fermentações alternativas com koji, moagem dos grãos dentro do próprio estabelecimento e até integração vertical do cacau por meio do modelo bean-to-bar. Três casos reportados pela imprensa — a padaria Mirá, a Lida e a marca Hagi — ilustram caminhos distintos dessa busca por identidade e valor agregado.

No Mirá, a técnica de fermentação com koji — o mesmo fungo utilizado na produção de saquê — é aplicada a pães e folhados. Segundo a cobertura do Guia Folha, o uso do koji resultou em uma crosta mais crocante e numa massa levemente adocicada; entre as criações citadas estão o croissant e o shokupan com crosta de missô e mel. A casa também explora referências asiáticas em bebidas, como um moccaccino adoçado com xarope à base de shoyu, ilustrando como a técnica impacta não só o miolo do pão, mas o perfil sensorial do cardápio como um todo.

A Lida, descrita em reportagem da Folha, oferece um exemplo prático de como a integração de etapas da cadeia confere frescor e diferenciação: a padaria compra grãos (trigo, centeio e trigo-sarraceno) de um fornecedor no Rio Grande do Sul e faz a moagem no próprio estabelecimento. A moagem in loco, visível ao cliente por divisórias de vidro, sustenta uma oferta 100% integral — dos pães aos folhados — e aparece associada a um cardápio mutável e autoral, com folhados salvos por combinações sazonais e ingredientes artesanais, como ricota feita na casa. O formato de operação da Lida, com produção concentrada em dias da semana e funcionamento reduzido ao público, mostra também os limites da escala quando a mão na massa é intensiva: a proprietária e padeira Hanny Guimarães divide a rotina entre a preparação do fermento e uma jornada longa de produção diária.

Do lado do chocolate, a Hagi traz ao panorama a lógica bean-to-bar, em que a marca acompanha etapas do grão ao produto final. A matéria do Guia Folha registra a expansão da marca para São Paulo e destaca barras premiadas, como uma versão 70% cacau com manga desidratada. O controle sobre a matéria-prima no modelo bean-to-bar permite perfis de sabor mais nítidos e possibilita combinações diretas com a padaria — seja em recheios, coberturas ou em sobremesas que dialogam com o fermentado do pão.

Juntas, essas iniciativas produzem efeitos perceptíveis no sabor e na conservação. O koji pode realçar notas doces e aromáticas e produzir crostas mais crocantes; a moagem no próprio ponto de venda preserva óleos e germes que dão corpo e complexidade aos pães integrais; o bean-to-bar garante controle de amargor e aromas, facilitando emparelhamentos com massas e recheios. Exemplos reportados vão além do simples rótulo artesanal: tratam-se de escolhas técnicas que alteram textura, aroma e longevidade do produto.

Mas inovação tem custo. A Lida, com moagem interna e produção artesanal concentrada, opta por horários reduzidos para preservar a qualidade de vida da equipe e da operação — uma decisão que evidencia o desafio de escalar sem perder controle. A produção bean-to-bar e a moagem exigem equipamentos, matéria-prima selecionada e processos de controle que encarecem o preço final, limitam rendimento e demandam mão de obra qualificada.

Há ainda a dimensão da padronização e da certificação. Iniciativas setoriais citadas nas matérias mostram caminhos complementares: o concurso do Sebrae Bahia para o "Melhor Pão Francês da Bahia" adotou como referência a norma ABNT NBR 16.170 para avaliar parâmetros de crosta, miolo, sabor e textura, apontando a importância de padrões técnicos para reconhecimento de qualidade. No plano da formação gerencial e técnica, o Sebrae-SP oferece um curso gratuito chamado "Lucro na Cozinha", que aborda fichas técnicas, precificação e gestão, ferramentas que ajudam pequenos empreendimentos a transformar técnicas artesanais em negócios sustentáveis.

Ao mesmo tempo, há demanda por produtos com restrições alimentares: casas como a Canelle são mencionadas por produzir doces sem glúten, sem lactose e sem açúcar refinado, demonstrando que a diferenciação técnica também encontra mercado disposto a pagar por especialização e segurança de rotulagem — o que, por sua vez, exige controles e eventualmente certificações que muitas padarias ainda precisam estruturar.

O panorama sugere oportunidades e gargalos em paralelo. A adoção de koji, a moagem local e o bean-to-bar abrem espaço para produtos autorais e de maior valor agregado, capazes de construir identidade e fidelidade. Por outro lado, sustentá-los em escala comercial requer investimentos em equipamentos, treinamento e gestão — áreas em que iniciativas como os cursos do Sebrae e competições técnicas podem acelerar a transferência de conhecimento.

Para padarias e confeiteiros que procuram se diferenciar, o balanço entre técnica, custo e atendimento ao cliente será decisivo. Os casos de Mirá, Lida e Hagi mostram que a inovação na panificação contemporânea não é apenas estética: é técnica, exige decisões sobre cadeia produtiva e tende a redefinir o que clientes entendem por sabor, frescor e autenticidade.