Fraudes, furtos e fiscalização: riscos e respostas ao comércio local em Belo Horizonte
Uma sequência recente de ações públicas aponta para dois eixos da resposta a fraudes e furtos que afetam o comércio em Belo Horizonte: a repressão policial focada na recuperação de bens e a checagem eletrônica de documentos para barrar golpes em transferências. Os fatos narrados pelos órgãos envolvidos mostram resultados concretos, mas também revelam lacunas na prevenção estrutural e na responsabilização do setor varejista.
A Polícia Civil de Minas Gerais, por meio do Departamento Estadual de Investigação de Crimes Contra o Patrimônio (Depatri), cumpriu quatro mandados de busca e apreensão em diferentes regiões da capital — incluindo um shopping popular no Centro e estabelecimentos na Savassi, Floresta e Barreiro — em ação realizada em conjunto com a Receita Federal. Segundo o delegado Gustavo Barletta, foram apreendidos dezenas de celulares desmontados, além de computadores, caixas de aparelhos e acessórios. Os materiais serão analisados e confrontados com registros de ocorrências para possível restituição aos proprietários legítimos.
Na mesma operação, identificada como mais uma fase da iniciativa chamada "Tá Entregue", dois homens foram conduzidos à delegacia para que suas condutas sejam apuradas. A participação da Receita Federal, conforme informado pelos responsáveis pelo trabalho, teve como objetivo analisar questões fiscais e financeiras dos estabelecimentos envolvidos — um indicativo de que a fiscalização criminal converge com apurações tributárias e contábeis quando há indícios de comércio ligado a produtos furtados ou irregulares.
Paralelamente, um instrumento de controle documental tem mostrado impacto relevante no recorte de fraudes envolvendo outro ativo circulante do mercado: veículos. A Central Notarial de Transferência Veicular (CNTV), criada pelo Colégio Notarial do Brasil – Seção Minas Gerais e lançada em 2024, identificou mais de 20 mil tentativas de golpe em menos de um ano e evitou mais de R$ 20 milhões em fraudes ao cruzar dados dos órgãos de trânsito com informações de cartórios. A CNTV checa autenticidade de documentos, histórico do veículo e condições para transferência e utiliza assinatura digital segura para validar atos.
Tomados em conjunto, os dois episódios — a apreensão de aparelhos eletrônicos e a atuação da CNTV — evidenciam dois mecanismos complementares: ações de campo para recuperar bens e responsabilizar eventuais intermediários do comércio irregular, e plataformas digitais de verificação que bloqueiam tentativas de golpe ao cotejar bases de dados oficiais e cartoriais.
No entanto, as reportagens e comunicações oficiais deixam pontos em aberto. A apreensão de materiais pela Polícia Civil depende agora da análise e do confronto com registros de ocorrência para viabilizar devoluções, o que pode ser um processo complexo quando os aparelhos vêm desmontados ou misturados com mercadorias legítimas. As informações publicadas não detalham, por exemplo, medidas permanentes para interromper as cadeias de fornecimento que abastecem lojas com produtos de origem criminosa, nem há descrição pública de um protocolo único de compliance a ser exigido de comerciantes de pequeno porte.
Do lado fiscal e administrativo, a atuação da Receita Federal na operação indica que lojas apontadas na investigação podem ser alvo de apurações contábeis e tributárias — um reflexo de que o combate a esse tipo de comércio passa também por verificações fora do âmbito penal. Já a experiência da CNTV mostra que o cruzamento automático de bases públicas e a validação por assinatura digital são ferramentas eficazes para reduzir tentativas de fraude em transferências, mas as reportagens não registram existência de sistema equivalente para bens de alto valor circulando no varejo (como eletrônicos), nem política pública que una cartórios, órgãos de trânsito e polícias em checagens rotineiras desse tipo de produto.
Para lojistas, os fatos divulgados trazem um aviso claro: além dos riscos ligados a operações ilícitas, há maior exposição a verificações fiscais e administrativas quando investigações identificam irregularidades nas compras ou na origem de mercadorias. Para vítimas e consumidores, a fase de perícia e cruzamento de registros pode resultar na restituição de aparelhos, como prevê a investigação em curso, mas depende do êxito técnico na correspondência entre objetos apreendidos e ocorrências registradas.
Em síntese, iniciativas pontuais de polícia e sistemas notariais demonstram capacidade de recuperação de bens e de bloqueio de fraudes, respectivamente. Mas as informações públicas disponíveis mostram que ainda falta uma abordagem integrada e permanente que una prevenção, fiscalização rotineira e mecanismos digitais de checagem aplicáveis ao amplo espectro de bens comercializados no varejo.
Fontes citadas nesta reportagem: Polícia Civil de Minas Gerais (Depatri) e o delegado Gustavo Barletta; Receita Federal; Central Notarial de Transferência Veicular (CNTV) e Colégio Notarial do Brasil – Seção Minas Gerais.