CrediAfro e feiras de Feira de Santana: promessa de crédito para empreendedores negros, mas lacunas podem limitar impacto
Em julho e agosto de 2025, iniciativas de fomento ao empreendedorismo em Feira de Santana voltaram a colocar no radar a relação entre crédito direcionado, capacitação e oportunidades geradas por eventos locais. A linha CrediAfro, apresentada em oficina no auditório da Associação Comercial e Empresarial de Feira de Santana (ACEFS), surge como a primeira política de crédito exclusiva para empreendedores negros e negras da Bahia, com a mensagem clara de desburocratizar o acesso ao financiamento e oferecer juros considerados acessíveis, segundo representantes municipais.
Na oficina promovida pela Divisão de Promoção da Igualdade Racial da Secretaria Municipal de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi) e com apoio do Conselho da Mulher Empreendedora e Parceria (CMEC) e da ACEFS, o agente de crédito Misael Conceição afirmou que a linha busca atender a uma demanda histórica de dificuldade de acesso ao financiamento pela população negra. O presidente da ACEFS, Genildo Melo, complementou que a ação abrange empreendedores de diversos portes — de MEIs a empresas maiores — e que o programa vai além da mera liberação de recursos ao oferecer orientação para uso estratégico do crédito. A secretária municipal da Mulher, Neinha Bastos, ressaltou a oferta de juros mais acessíveis como fator de fomento econômico local.
Paralelamente, eventos como a Feira de Santana Beauty (FSB), a INDEX Bahia e a Expofeira aparecem nas agendas locais como vitrines capazes de ampliar vendas, gerar contatos comerciais e atrair investimentos. Organizações e parceiros desses eventos — entre eles o Banco do Nordeste, o Sebrae Bahia, o Senar, o Sesi e o Senai — promovem oficinas técnicas, rodadas de negócios e cursos que, nas edições anteriores, resultaram em movimentação econômica significativa e grande fluxo de público. A INDEX, por exemplo, divulgou que promove rodadas de negócios e linhas de crédito na programação, enquanto a FSB oferece workshops de gestão e técnicas que interessam diretamente a pequenos empreendedores.
Esses encontros mostram um potencial claro de alavancagem: crédito direcionado somado a capacitação técnica pode ajudar micro e pequenos negócios a ampliar estoques, melhorar apresentação de produtos e financiar participação em feiras que, historicamente, já geraram milhões em negócios para o município. A expansão de marcas locais para shoppings, ilustrada por casos recentes de empreendimentos de Feira de Santana com planos de abrir lojas em centros comerciais, reforça que o crédito pode ser um instrumento para dar escala a negócios bem posicionados.
No entanto, as matérias e comunicados públicos analisados deixam lacunas importantes que limitam a avaliação da adequação das linhas de crédito às demandas reais dos empreendedores. Os relatos sobre o CrediAfro descrevem objetivos, público‑alvo e as ações de orientação promovidas durante a oficina, mas não trazem detalhes operacionais sobre condições de financiamento: não há informações públicas nos textos consultados sobre valores máximos de empréstimo, prazos, exigência de garantias, carência ou mecanismos de acompanhamento pós‑crédito. Do mesmo modo, embora INDEX e FSB mencionem a oferta de linhas de crédito e oficinas, não está claro como essas linhas se articulam com programas específicos de inclusão racial e de gênero como o CrediAfro.
As matérias também revelam obstáculos práticos que podem reduzir o efeito do crédito: a necessidade de desburocratização foi enfatizada pelos próprios organizadores do CrediAfro, e uma situação relatada por comerciantes afetados por obra do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) demonstra que problemas como remoção forçada, prazos curtos e a ausência de indenização podem interromper fontes de renda locais, independentemente da existência de linhas de crédito. Esse tipo de risco estrutural evidencia que financiamento sem garantias de continuidade do ponto de venda ou sem estratégias de mitigação de choque não resolve integralmente a vulnerabilidade dos pequenos empreendedores.
Outro ponto explícito nas reportagens é a oferta de capacitação durante as feiras: workshops, cursos e rodadas de negócios são constantes nas programações de FSB, INDEX e Expofeira, organizados ou apoiados por instituições técnicas como o Sebrae Bahia e o Senar. Ainda assim, não há na documentação pública consultada uma descrição de mecanismos formais que integrem concessão de crédito, formação técnica e acompanhamento gerencial — por exemplo, mentorias pós‑investimento, exigência de plano de negócios vinculante às linhas de crédito ou estímulos para que recursos financiem custos diretos de participação em feiras (como montagem de estande, logística e estoque).
Com base no que foi explicitado nas matérias, é possível apontar direções que parecem lógicas para ampliar o impacto do CrediAfro e de outras linhas de fomento, sem extrapolar os fatos noticiados: tornar públicas e claras as condições contratuais das linhas (valores, prazos, garantias), formalizar instrumentos de acompanhamento pós‑crédito e integrar a concessão a programas de capacitação já existentes em feiras e em parceria com Sebrae Bahia, Banco do Nordeste, Senar, Senai e ACEFS. Também seria estratégico estabelecer protocolos de coordenação com órgãos públicos responsáveis por obras e ordenamento urbano, como o Dnit, para reduzir riscos de perda de local de trabalho que anulam o efeito do investimento.
Por fim, a combinação observada nas reportagens — linha de crédito específica para empreendedores negros, oficinas de orientação e um ecossistema de feiras capazes de gerar negócios — representa um caminho promissor para inclusão financeira e crescimento local. A materialização desse potencial, porém, depende de maior transparência operacional e de mecanismos explícitos de integração entre crédito, capacitação e proteção a riscos estruturais, pontos que as matérias consultadas identificam como ainda insuficientes para garantir que o financiamento atenda plenamente às necessidades reais dos negócios em Feira de Santana.