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Varejo baiano e os limites do crescimento: o que o Festival de Inverno significa para comerciantes de Vitória da Conquista

19 de ago. de 2025google
Varejo baiano e limites do crescimento em Vitória da Conquista

Varejo baiano e os limites do crescimento: o que o Festival de Inverno significa para comerciantes de Vitória da Conquista

Entre a expectativa de movimento gerada pelo Festival de Inverno Bahia e os números que indicam restrições ao consumo

A realização do Festival de Inverno Bahia em Vitória da Conquista, com atrações de grande apelo nacional e opções de ingresso solidário vendidas a R$ 120 mais taxas, alimenta a expectativa de aumento do fluxo de público e de receita para o comércio local. Organizado para ocorrer entre 22 e 24 de agosto, o evento terá venda de ingressos em pontos da cidade, segundo divulgação da organização do festival e reportagens locais.

Mas esse impulso pontual precisa ser ponderado diante do quadro macro do varejo baiano. Dados da Pesquisa Mensal de Comércio (PMC) do IBGE, analisados pela Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI), mostram que o varejo do estado cresceu apenas 0,6% no acumulado do primeiro semestre de 2025. Em junho houve retração de 0,7% em relação a maio, mesmo com datas comemorativas no período, e o varejo ampliado — que inclui veículos, material de construção e atacado especializado — registrou queda de 2,4% no mês e acumula recuo de 2,4% no ano, segundo a SEI.

O conjunto de indicadores que baliza o comportamento do consumidor adiciona cautela. A Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (PEIC) da Confederação Nacional do Comércio (CNC) aponta que, em junho de 2025, 68,2% das famílias baianas estavam endividadas, acima dos 67,1% registrados no mês anterior. Para a economista Elissandra Britto, da SEI, esse endividamento elevado aliado à manutenção de juros em patamar alto compromete o avanço das vendas no estado.

Outra evidência de menor folga para consumo é o Índice de Intenção de Consumo das Famílias (ICF), da Fecomércio, que permaneceu tecnicamente estável em junho (107,4 pontos), mas ficou abaixo do mesmo período do ano anterior (109,4 pontos), indicando recuo na intenção de gasto das famílias.

Na prática, esses números sugerem que o acréscimo de demanda trazido pelo Festival de Inverno pode não se traduzir em aumento proporcional do tíquete médio. Consumidores endividados tendem a priorizar gastos essenciais e condições de pagamento mais folgadas, e a combinação de alta juros e compromissos financeiros eleva a probabilidade de compras menores e menor consumo de itens não essenciais.

Do lado dos setores, a própria análise da SEI mostra uma distinção clara entre segmentos mais resilientes e os mais vulneráveis. Hipermercados, supermercados e o segmento farmacêutico apresentaram desempenho positivo (com destaque para artigos farmacêuticos, perfumaria e cosméticos), sustentados pela essencialidade dos produtos e pelo peso desses segmentos na composição do varejo. Em contraste, material de construção, veículos, motocicletas e atacado especializado enfrentaram quedas relevantes — cenário que reduz a possibilidade de um boom de consumo amplo e homogêneo durante o evento.

Para comerciantes de Vitória da Conquista, a leitura desses elementos implica em ajustes estratégicos. O Festival de Inverno deve ser visto como uma oportunidade para captar fluxo adicional, mas não como garantia de vendas expressivas em todas as categorias. Investir em ofertas alinhadas ao comportamento do público presente — como alimentação, itens de conveniência e produtos ligados ao consumo imediatista — e em formatos de pagamento compatíveis com orçamento comprometido pode ampliar resultados.

Há ainda sinais de que grandes redes se preparam para janelas sazonais: em Salvador, um home center abriu 57 vagas temporárias para reforçar operações no segundo semestre, segundo divulgação da empresa. Esse movimento evidencia que campanhas e eventos atraem atenção de redes maiores que podem disputar tanto o consumidor quanto mão de obra local em períodos de pico.

Outra variável a observar é a presença de ações de patrocinadores e parceiros no espaço do festival, prevista pelos organizadores, que pode gerar oportunidades para micro e pequenos empreendedores se conseguirem acesso a pontos de venda temporários ou parcerias com marcas. No entanto, a captura desses benefícios depende de custos, logística e regras definidas pela organização do evento.

Em síntese, o cenário descrito pela SEI (com base na PMC/IBGE), pela PEIC da CNC e pelo ICF da Fecomércio indica que o vigor do varejo baiano é limitado e desigual entre segmentos. Em Vitória da Conquista, o Festival de Inverno é um gatilho de demanda, mas os comerciantes devem calibrar expectativas: ganhos pontuais são plausíveis, especialmente em segmentos ligados a alimentação e consumo imediato, enquanto vendas de maior valor e setores já fragilizados correm risco de não se recuperar apenas com o evento.

Fontes citadas: análise da SEI sobre a PMC/IBGE; Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (PEIC) da CNC; Índice de Intenção de Consumo das Famílias (Fecomércio); organização e informações do Festival de Inverno Bahia reportadas pela cobertura local.