Loqal

Conflito na Paróquia São Sebastião levanta debate sobre intolerância religiosa, direito de expressão e sigilo de imagens

19 de ago. de 2025google
Conflito na Paróquia São Sebastião: intolerância religiosa e sigilo de imagens

Conflito na Paróquia São Sebastião levanta debate sobre intolerância religiosa, direito de expressão e sigilo de imagens

Um episódio ocorrido durante uma missa de sétimo dia na Paróquia São Sebastião, no Gama (DF), colocou em evidência questões centrais sobre liberdade de expressão em ambientes de culto, a possibilidade de crimes motivados por intolerância religiosa e a transparência no fornecimento de imagens de segurança do templo.

Segundo relato da família, o comerciante Edivan Santos pediu em voz alta, no dia 19 de julho, que o padre "intercedesse pela Palestina". A esposa, Elizabeth Souto, afirma que o pedido foi insistente, mas sem ofensas, e que o marido não estava alcoolizado. A confusão, conforme esses relatos, escalou quando um fiel identificado como Julio Silva Neto se aproximou, puxou Edivan pelo braço e deu início a agressões que deixaram a vítima com rompimento de quatro ligamentos do joelho direito; Edivan foi internado e passou por cirurgia em agosto.

Há, no entanto, versão divergente apresentada por Julio Silva Neto no boletim de ocorrência registrado pela Polícia Civil do Distrito Federal. Ele declarou que participava de uma missa de sétimo dia quando um "desconhecido, aparentemente embriagado, começou a gritar e tumultuar". Julio disse ter sido agredido com socos e afirmado ter reagido em legítima defesa, com um golpe de judô e outros golpes para se proteger. A Polícia Civil registrou o caso como lesão corporal.

A defesa de Edivan, representada pela advogada Anna Paula Oliveira, solicitou a reclassificação do crime para lesão corporal qualificada por intolerância religiosa, alegando que o motivo das agressões teria sido o pedido de oração relacionado à Palestina e que houve agressão por mais de uma pessoa. A família também avalia ação por danos morais.

O pedido de reclassificação une duas discussões jurídicas e sociais: por um lado, a identificação de motivação discriminatória pode alterar a natureza da imputação; por outro, a situação suscita o debate sobre até que ponto atos de expressão religiosa ou pedidos de oração, feitos em voz alta, podem ser interpretados como perturbação em cultos e justificar intervenções de outros fiéis. Entre defensores da família e especialistas ouvidos pela imprensa, há preocupação de que um pedido de intercessão não possa servir de pretexto para agressão, enquanto outros presentes relataram incômodo com a situação.

Outro ponto sensível do caso é a disponibilidade de imagens de videomonitoramento. A paróquia informou que possui 16 câmeras, seis delas na área interna do templo. A família e a defesa declaram ter solicitado acesso às gravações e afirmam que as imagens não foram entregues nem à família nem à Polícia Civil. Segundo a versão da defesa, a paróquia condicionou a liberação das filmagens a uma ordem judicial. A Arquidiocese de Brasília não se manifestou até o momento sobre o episódio.

O sigilo ou a retenção de imagens em incidentes ocorridos em ambientes privados com acesso público, como igrejas, tende a ser um fator decisivo para a investigação policial e para eventuais processos civis. No caso em questão, a ausência de disponibilização imediata das gravações — conforme afirmam a família e a defesa — gerou questionamentos sobre transparência no próprio templo e sobre o tempo de resposta das autoridades.

Além das implicações legais, o caso tem sido interpretado por especialistas como parte de um quadro mais amplo de tensões religiosas e políticas no país. O teólogo e pastor Zé Barbosa Jr., citado em análises do episódio, disse que igrejas deveriam ser espaços de acolhimento e que episódios em que pedidos de oração provocam agressões são sinais preocupantes para a convivência religiosa.

No momento, o registro policial segue como lesão corporal e a investigação depende da produção de provas, incluindo testemunhos e, se liberadas, imagens de câmeras. Famílias, defesa e representantes da paróquia apresentam versões distintas sobre a dinâmica do episódio; a tentativa de reclassificação e a disputa pelo acesso às gravações prometem aprofundar a investigação e trazer à tona debates sobre liberdade de expressão em cultos, limites da atuação de fiéis e responsabilidade das instituições religiosas em garantir segurança e transparência.