Plano Brasil Soberano: efeitos para exportadores e cadeias produtivas em Minas Gerais
O Plano Brasil Soberano, anunciado pelo governo federal em medida provisória, reuniu instrumentos — linhas de crédito com funding, aportes a fundos garantidores, ampliação do Reintegra e prorrogação do drawback — que podem mitigar o impacto do chamado "tarifaço" dos Estados Unidos sobre empresas exportadoras. Para Minas Gerais, a combinação dessas medidas cria uma margem de proteção especialmente relevante para cadeias locais com forte vínculo ao mercado externo, como a siderurgia e segmentos da agroindústria florestal. As medidas, porém, chegam com condicionantes e limites que moldam quem efetivamente será beneficiado.
Segundo o governo federal, a MP prevê R$ 30 bilhões do Fundo de Garantia à Exportação (FGE) usados como funding para concessão de crédito em condições mais acessíveis. Há, ainda, aportes de R$ 4,5 bilhões a fundos garantidores — detalhados como R$ 1,5 bilhão no Fundo Garantidor do Comércio Exterior (FGCE), R$ 2 bilhões no Fundo Garantidor para Investimentos (FGI) do BNDES e R$ 1 bilhão no Fundo de Garantia de Operações (FGO) do Banco do Brasil — e previsão de até R$ 5 bilhões de impacto pelo aumento do Reintegra até dezembro de 2026, conforme divulgado pela Presidência da República e pelo próprio texto da MP.
As prioridades para receber crédito estão explicitadas na MP: terão preferência empresas mais afetadas pela elevação tarifária dos EUA, considerando a dependência do faturamento em relação às exportações para aquele mercado, o tipo de produto e o porte da empresa. Pequenas e médias empresas podem recorrer aos fundos garantidores para acessar linhas de crédito. Outra condição colocada pelo governo é que o acesso às linhas esteja condicionado à manutenção dos empregos, medida que atrelou diretamente ajuda financeira e preservação da força de trabalho.
Para monitorar esse compromisso, a MP cria a Câmara Nacional de Acompanhamento do Emprego, que terá atuação também regional por meio de Câmaras nas Superintendências Regionais do Trabalho. O objetivo declarado é acompanhar diagnósticos e propor ações para preservar postos de trabalho, bem como fiscalizar o cumprimento de acordos trabalhistas, segundo o Planalto.
Em Minas Gerais, dois elementos das matérias locais ajudam a mapear quem pode ganhar com as medidas: a concentração de atividades siderúrgicas e a presença de agroindústria florestal. A Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Seapa-MG), em parceria com a Emater-MG, passou a divulgar a cotação do carvão vegetal produzido em florestas plantadas de eucalipto nas mesorregiões onde a atividade é mais expressiva — entre elas a Metropolitana de Belo Horizonte e a região Centro-Oeste mineira, apontadas pela própria Seapa como o "cinturão siderúrgico" do estado. O preço do carvão vegetal tem variado, em parte por incertezas do setor siderúrgico e por especulações sobre exportações da metalurgia, o que evidencia a sensibilidade dessa cadeia a choques na demanda externa.
Do ponto de vista operacional, a prorrogação do regime de drawback anunciada pela MP — que permite suspender tributos incidentes sobre insumos importados usados em produtos exportados — pode ser especialmente relevante para empresas mineiras que já contrataram exportações ao mercado dos EUA: a MP estende prazos para evitar multas e juros para contratos com entrega prevista até o fim de 2025, conforme o governo. Em nível nacional, o Executivo informou que, dos US$ 40 bilhões exportados ao mercado norte-americano em 2024, US$ 10,5 bilhões foram realizados via regime de drawback, ilustrando a importância desse mecanismo para a continuidade de cadeias exportadoras.
O aumento do Reintegra visa reduzir custos tributários embutidos na cadeia produtiva dos bens exportados e, segundo o governo, amplia em até três pontos percentuais o benefício para empresas cuja exportação de produtos industrializados foi prejudicada: grandes e médias empresas poderiam chegar a alíquotas de até 3,1%, e micro e pequenas até 6%, na interpretação oficial divulgada pelo Planalto. A equipe econômica e o vice-presidente Geraldo Alckmin afirmaram que as medidas não teriam impacto fiscal relevante, argumentando que tratam da antecipação de devolução de créditos tributários que já pertencem aos exportadores.
Quais setores mineiros tendem a se beneficiar ou permanecer vulneráveis? A leitura combinada das medidas e das notícias locais permite algumas inferências, sem extrapolações além do que foi informado. A siderurgia e a metalurgia em Minas, por estarem fortemente conectadas ao uso de carvão vegetal produzido regionalmente e ao mercado externo, aparecem como candidatas naturais a receber suporte por meio de garantias, crédito e prorrogação do drawback, o que pode ajudar a preservar cadeias locais e postos de trabalho. Ao mesmo tempo, a própria Seapa-MG registrou variações de preço do carvão vegetal ligadas a incertezas do setor siderúrgico — um sinal de que, mesmo com liquidez, a demanda externa e o ritmo de recuperação do mercado internacional continuam determinantes.
O agronegócio e a agroindústria de Minas também podem se beneficiar em pontos específicos: a MP prevê mecanismos de compras públicas simplificadas para produtos afetados pelas sobretaxas, privilegiando alimentos que poderiam ser direcionados a merenda escolar e políticas públicas, medida que o governo justificou como apoio a produtores rurais e agroindústrias que deixaram de exportar por causa da taxação. Além disso, a proposta do governo de abrir ou reforçar mercados comerciais (citando negociações já concluídas com União Europeia e EFTA e diálogos com Índia e Vietnã) pode, em médio prazo, criar alternativas para exportadores que perderem competitividade nos EUA — mas esse movimento de realocação de mercados é um processo que demanda tempo e não elimina a pressão imediata sobre receitas e empregos.
Há ainda elementos de infraestrutura e logística que podem influenciar a capacidade de resposta das cadeias mineiras às medidas: investimentos públicos e privados em energia e transporte podem reduzir custos e aumentar a resiliência das operações exportadoras. No primeiro semestre de 2025, a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) informou ter investido R$ 2,8 bilhões no estado, com foco em distribuição, subestações e linhas que reduzem interrupções e ampliam oferta de carga — fatores que, segundo a empresa, tornam o estado mais atrativo para empreendimentos e, potencialmente, para a manutenção e atração de atividade produtiva. Paralelamente, iniciativas para viabilizar aeroportos em municípios mineiros, como Itajubá e Itabira, são citadas por representantes locais como capazes de melhorar logística e transporte, embora dependam de recursos e prazos orçamentários.
Apesar dos instrumentos e da prioridade explícita a pequenas e médias empresas, permanecem riscos concretos. A dependência de compradores nos EUA, a velocidade com que mercados alternativos forem abertos e a duração da elevação tarifária em Washington vão determinar quantos empregos e quantas empresas mineiras, na prática, serão salvas. O próprio governo reconheceu que o tarifaço afeta 35,9% das mercadorias enviadas aos EUA, o que corresponde a 4% das exportações brasileiras, e por isso estrutura um pacote para mitigar efeitos imediatos e construir mecanismos de longo prazo.
Em síntese, para Minas Gerais o Plano Brasil Soberano reúne instrumentos relevantes: funding para linhas de crédito, aportes a fundos garantidores, ampliação do Reintegra e prorrogação do drawback que, combinados, podem aliviar empresas exportadoras e preservar empregos em cadeias como a siderúrgica e parte da agroindústria. A eficácia dependerá, contudo, da capacidade das empresas de acessar esses instrumentos (sob critérios de prioridade e condicionantes exigidos), da rapidez de implementação pelos fundos e instituições financeiras envolvidas e da velocidade com que mercados alternativos absorverem produtos mineiros caso a demanda dos EUA siga retraída.
Fontes citadas: Presidência da República (Plano Brasil Soberano e texto da MP), Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Minas Gerais (Seapa-MG), Emater-MG, Cemig, vice-presidente e ministro Geraldo Alckmin, além das informações sobre fundos garantidores (FGCE, FGI, FGO), Receita Federal e medidas de drawback e Reintegra conforme divulgado pelo governo.