Comércio de Nova Friburgo revela faces opostas
O setor do comércio em Nova Friburgo aparece, nas últimas semanas, em dois papéis bem distintos: de um lado, como promotor de solidariedade e articulação social; do outro, como possível fachada para crimes que atingem principalmente pessoas em situação de vulnerabilidade.
Solidariedade organizada. Em evento ligado ao setor, o Sindicato do Comércio Varejista (Sincomércio) e o Sesc RJ entregaram, na tarde da última sexta‑feira, 15, sete toneladas de alimentos não perecíveis arrecadadas durante o 23º Festival Sesc de Inverno, realizado entre 11 e 27 de julho. Segundo o presidente do Sincomércio, Braulio Rezende, o resultado representa um recorde de arrecadação no Estado do Rio de Janeiro e foi possível graças à participação do público nos shows realizados no Nova Friburgo Country Clube.
Os gêneros doados foram destinados a dez instituições socioassistenciais cadastradas no programa Mesa Brasil Sesc RJ, que, conforme informado, recolhe alimentos de cerca de 200 parceiros e os reverte para mais de 1.300 entidades no Estado. O programa também orienta cozinheiros das entidades a aproveitar integralmente os alimentos doados, reduzindo desperdícios.
Criminalidade à sombra do comércio. Em contraste com essa atuação pública e solidária, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) deflagrou, na manhã de 15 de agosto, uma operação em Nova Friburgo para cumprir mandados de prisão e de busca e apreensão contra três pessoas apontadas como integrantes de uma rede de agiotagem e extorsão. O MPRJ identificou na investigação um grupo que, sob a liderança de Luiz Alexandre Silva, conhecido como Tenório, cobrava empréstimos ilegais com juros que, segundo a denúncia, podiam chegar a 20% ao mês.
O MPRJ afirma que o esquema se valia de um comércio de cestas básicas e de veículos usados — segundo as apurações, o fundo do estabelecimento funcionaria como centro da agiotagem — e que as cobranças eram realizadas com extremo nível de intimidação, incluindo ameaças, agressões físicas e uso de armas de fogo. Entre os bens apreendidos nas buscas estão veículos e um porrete com inscrição, citados pela instituição. Os três investigados — Tenório, Flávia Ouverney Canela e Emile Canela — vão responder por associação criminosa, roubo e extorsão, e as investigações seguem para identificar outras vítimas e eventuais envolvidos.
Dois efeitos sobre o comércio local. Esses episódios mostram, de formas distintas, como atores ligados ao comércio podem influir no tecido social da cidade. A iniciativa do Sincomércio e do Sesc RJ, por meio do Mesa Brasil, reforça o papel do comércio organizado no enfrentamento da insegurança alimentar e na rede de proteção a grupos vulneráveis, beneficiando entidades como a Associação Pestalozzi, a Apae, a Humédica Brasil e outras nove instituições locais mencionadas na distribuição.
Ao mesmo tempo, a investigação do MPRJ ressalta um risco: estabelecimentos comerciais podem servir de cobertura para práticas predatórias que aprofundam a vulnerabilidade econômica de moradores. O contraste coloca em evidência a necessidade de mecanismos que preservem a credibilidade e a função social do comércio — seja por meio de ações de responsabilidade social, seja por meio de fiscalização e investigação quando surgem indícios de crimes.
Autoridades e representantes do setor, conforme divulgado, têm papéis diferentes mas complementares: organizações como o Sesc RJ e o programa Mesa Brasil atuam na mitigação da fome e no apoio a entidades, enquanto o Ministério Público segue na investigação e repressão de práticas criminosas que se escondem sob o rótulo de atividade comercial. As ações recentes deixam claro que o comércio em Nova Friburgo pode ser tanto parte da solução quanto elemento a ser coibido, dependendo dos agentes e das práticas envolvidas.