Comércio em situação de calamidade: tempestade em São Vicente pressiona preços, abastecimento e recuperação
A tempestade que atingiu a ilha de São Vicente deixou um rastro de destruição que extrapola os danos físicos e atinge diretamente a economia local. Bairros inundados, estradas e pontes destruídas, estabelecimentos comerciais danificados e cortes no fornecimento de energia e água criaram uma crise imediata no abastecimento e pressão sobre os preços de itens básicos, segundo relatos reunidos pela imprensa.
Disrupção da oferta. Moradores e comerciantes relatam falta de água e problemas elétricos que prejudicam desde o armazenamento de alimentos até o funcionamento das lojas. Há relatos de aumentos nos preços de água engarrafada e arroz, conforme apurado pela agência Lusa e reproduzido em reportagem sobre a situação na ilha. O presidente da Câmara de Comércio de Barlavento, Jorge Maurício, afirmou que já se notou elevação nesses produtos, mas que, até o momento, não há registos de práticas abusivas generalizadas; ele também alertou para a necessidade de fiscalização caso haja excessos.
Resposta humanitária e coordenação das doações. Organizações da diáspora cabo-verdiana na França estão a organizar recolhas de bens e fundos para São Vicente, segundo a reportagem da RFI. Entidades como a associação Hello Cabo Verde e a Diaspora Solidaire estão a articular envio de alimentos não perecíveis, produtos de higiene e soluções para purificação da água — enfrentando, porém, o desafio logístico de como transportar água e bens volumosos. Andreia Levy, da Hello Cabo Verde, descreveu aos jornalistas a tentativa de coordenar envios com a transportadora aérea nacional, enquanto Rita Brito, da Diaspora Solidaire, destacou o compromisso com a transparência: as organizações planejam reportes frequentes e um relatório final sobre a utilização dos fundos para dar confiança aos doadores.
Ajuda externa e logística. A Marinha portuguesa atracou em São Vicente com um navio que transportava 56 militares, equipamentos para remoção de escombros, uma dessalinizadora destinada a um hospital, drones para sobrevoar áreas de difícil acesso, mergulhadores e equipas de reação, conforme descrito nas reportagens. Esses recursos são apontados como essenciais para restaurar serviços básicos e permitir a chegada segura de mais suprimentos.
Medidas governamentais e linhas de crédito. O Governo cabo-verdiano declarou situação de calamidade por seis meses para concelhos afetados, incluindo São Vicente, e anunciou um plano estratégico que combina apoios imediatos às famílias com medidas para recuperar a atividade económica. Entre as ações previstas estão linhas de crédito com juros bonificados e verbas a fundo perdido direcionadas a microempresas e ao comércio local, financiadas com recursos do Fundo Nacional de Emergência e do Fundo Soberano de Emergência, criado em 2019 para responder a catástrofes e choques económicos.
Especialistas locais e representantes do setor alertam que, além da distribuição de bens e do restabelecimento de serviços, a recuperação do comércio exige estratégias para reconstruir o comércio informal — que sustenta muitas famílias em São Vicente — e para superar desafios logísticos persistentes. A RFI lembrou que, no terreno, há quem viva do comércio de rua e que o período pós-crise exigirá soluções para reativar essas fontes de rendimento.
Riscos e transparência. A mobilização da diáspora e a chegada de apoio internacional foram destacadas como sinais de solidariedade, mas também como motivo de cautela: as organizações de emigrantes enfatizam a necessidade de coordenação com atores locais e de prestação de contas clara sobre as doações. Do lado das autoridades, o pedido é para que denúncias de práticas abusivas sejam dirigidas às entidades fiscalizadoras competentes, numa tentativa de proteger populações já fragilizadas.
Em suma, a tempestade provocou uma crise imediata no abastecimento e uma pressão sobre preços de itens essenciais, ao mesmo tempo em que acelerou a implementação de medidas de emergência financeira e humanitária. A combinação de apoio externo — militar e civil —, linhas de crédito com condições especiais e o envolvimento organizado da diáspora serão determinantes para minimizar impactos de curto prazo e permitir uma recuperação económica que, segundo responsáveis citados nas reportagens, terá de focalizar tanto a infraestrutura física quanto a reativação do comércio informal que sustenta muitas famílias em São Vicente.