Tribunal de Madri limita buscas em armários de lojas e reacende debate sobre privacidade no varejo
Uma decisão do Tribunal Superior de Justiça de Madri sobre a demissão de uma trabalhadora da Zara colocou em xeque práticas comuns de fiscalização no varejo e voltou a colocar no centro do debate os direitos à intimidade e à proteção dos pertences pessoais dos empregados.
Segundo a decisão relatada na cobertura jornalística do caso, a funcionária — contratada desde 1999 e então gestora de operações — teve seu armário aberto pela empresa durante obras no estabelecimento, enquanto estava de licença médica. Na revista foram encontrados cinco produtos com etiquetas, entre eles um par de tênis que, segundo relatório interno da empresa, não constava como vendido.
Dispensada em março de 2024 por uma infração qualificada como "muito grave" pelo acordo coletivo do setor têxtil de Madri, a trabalhadora recorreu. O tribunal considerou improcedente a demissão: entendeu que a abertura do armário, apesar de feita na presença de gestores, do responsável pela obra e de um representante sindical, violou o direito fundamental à intimidade da empregada. Como consequência, determinou a readmissão com pagamento dos salários retroativos ou, alternativamente, indenização por danos morais pela violação de privacidade.
A empresa recorreu alegando que o ato se justificava pelas obras e que não se tratou de busca, mas de preservação de bens. O tribunal, contudo, concluiu que o armário integrava a esfera privada da trabalhadora, impondo limites à atuação do empregador mesmo em contextos operacionais como reformas.
O caso reúne elementos que costumam aparecer em conflitos trabalhistas no varejo: patrimônios da loja encontrados entre pertences de empregados; a presença de representante sindical no momento da revista; e a utilização de normas coletivas para qualificar faltas. A decisão judicial traz, de forma direta, três pontos que empresas, sindicatos e departamentos jurídicos precisam considerar.
Primeiro: há limites jurídicos claros à abertura de armários e pertences, especialmente quando o trabalhador está em situação de vulnerabilidade como licença médica. Para o tribunal, o armário integra a esfera privada, o que restringe ações do empregador mesmo diante de suspeitas internas.
Segundo: a presença de representante sindical no ato não automaticamente legitima a revista nem afasta a possibilidade de violação de direitos. No caso em questão, a ação contou com a participação de um representante sindical, mas o tribunal ainda reconheceu a invasão da intimidade.
Terceiro: as consequências disciplinares impostas com base em acordos coletivos podem ser anuladas se sua aplicação implicar violação de direitos fundamentais. O acordo coletivo do setor têxtil de Madri foi o instrumento invocado pela empresa para qualificar a infração como "muito grave", mas o tribunal reverteu a penalidade por compreender que o procedimento adotado feriu a privacidade da trabalhadora.
Da decisão extraem-se repercussões práticas que tendem a orientar políticas internas no varejo: a necessidade de protocolos claros e documentados para intervenções em armários e áreas privadas, justificativas objetivas para qualquer abertura de pertences, registro formal das circunstâncias (motivo, presença de testemunhas, comunicação prévia) e avaliação do estado do trabalhador (por exemplo, se está em licença médica).
O veredito também ressalta a função dos representantes sindicais e dos instrumentos coletivos na regulação de condutas e penalidades: acordos setoriais podem definir faltas e sanções, mas sua aplicação não exime a empresa da observância de direitos constitucionais como a intimidade.
Embora a decisão tenha ocorrido na Espanha, o caso serve como referência para redes internacionais de varejo e departamentos jurídicos ao mostrar como tribunais trabalhistas podem delimitar práticas internas. A lição prática é a combinação entre políticas de prevenção de perdas e respeito a garantias individuais: onde houver necessidade legítima de fiscalização, procedimentos padronizados, transparentes e proporcionalmente justificados são essenciais para reduzir riscos legais e conflitos com trabalhadores e sindicatos.
Em síntese, o julgamento do Tribunal Superior de Justiça de Madri sobre a demissão da funcionária da Zara clarifica que armários de uso individual no ambiente de trabalho podem ser considerados parte da esfera privada do empregado. A abertura desses espaços exige fundamentação robusta, observância de garantias processuais e cuidado com a aplicação de normas disciplinares previstas em acordos coletivos.